A propósito das comemorações do corrente ano, 2025, do tratado internacional de 2 de fevereiro de 1971 em Ramsar no Irão, a convenção foi o primeiro acordo moderno multilateral sobre o ambiente e que se foca na valorização das zonas húmidas, que englobam tanto as áreas costeiras de água salgada, áreas interiores de águas doces de transição em zonas permanentes ou temporárias.
O Estuário do Mondego é reconhecido internacionalmente como habitat Ramsar ( https://rsis.ramsar.org/ ) pela Convenção Internacional sobre Zonas Húmidas desde 2005.
No entanto, o estuário não está incluído nos limites das áreas designadas como Sítio de Importância Comunitária (SIC) e Zona de Proteção Especial (ZPE), ao abrigo das Diretivas Habitats e Aves.
Sem qualquer enquadramento legal de proteção e conservação da biodiversidade e das atividades autóctones, que são amplamente reconhecidas pela sua importância na preservação desses espaços, criados pela mão do homem e que, ao longo dos anos, se tornaram locais de excelência para abrigo, passagem migratória e nidificação de diversas espécies de aves, além de abrigarem uma rica e diversificada espécies de flora.
A conservação da natureza não depende apenas das espécies, mas sim da preservação da biodiversidade, na qual as atividades humanas desempenham um papel fundamental na manutenção e conservação da biodiversidade.
A caracterização, definição científica e pelas pessoas em geral dos salgados como zonas naturais é uma falha porque os mesmos foram em tempos outrora criados pelos mãos do homem, os quais e pelas mesmas técnicas ancestrais exercem a extração artesanal de sal marinho anual e com recurso a água do mar mantendo a conservação dos espaços durante séculos até aos dias de hoje, tratando-se de um modo de vida gerenciador de impactos ambientais que todos pretendemos contribuir na sua manutenção.
Ao longo da zona costeira portuguesa, encontramos áreas de extração de sal, como as salinas distribuídas pelo litoral algarvio, desde Castro Marim, Tavira, Olhão, Faro e Portimão, passando pela região de Setúbal, Alcochete e pelo estuário do Tejo, até Aveiro e, finalmente, Figueira da Foz. Entre todas essas áreas, o salgado da Morraceira, praticamente em pousio, destaca-se pelo seu excelente estado de conservação, possibilitando uma célere reabilitação das unidades extrativas de sal.
As atividades humanas são parte integrante da conservação da biodiversidade, estabelecendo uma perfeita simbiose. As explorações agrícolas e culturas marinhas, atualmente designadas como emergentes em zonas húmidas, permitem a obtenção de produtos de excelência para consumo humano.
Acredito de forma convicta que a fidelização dos consumidores não ocorre apenas pela qualidade dos produtos, mas também pelos impactos ambientais positivos ao longo de toda a cadeia produtiva, promovendo, assim, a conservação e preservação da biodiversidade em conjunto com as atividades humanas onde o consumidor pode acompanhar de perto a sua origem.
Promovendo a economia local reduzindo a pegada ecológica, dando continuação ao melhoramento dos processos desde a produção, manuseamento, processamento e distribuição.
Ao longo da sua existência, a atividade extrativa de sal artesanal tem passado por períodos de altos e baixos e atualmente só no Algarve a atividade continua a ter representativa e com tendência de crescimento.
No entanto, é notável como, mesmo em épocas antigas e com poucos recursos, o associativismo, corporativismo desempenhou um papel fundamental. Um exemplo concreto disso ocorreu em 1917, com a criação do primeiro sindicato dos produtores de sal em Portugal.
A literatura da época destaca a existência de uma harmonia entre industriais e produtores, refletida na valorização do preço do sal.
Já em 1935 é identificado problemas persistentes no setor salineiro, muitos dos quais ainda se mantêm até os dias de hoje. A grande questão que se coloca é como revitalizar esta atividade, apesar dos projetos e investimentos destinados à implementação e recuperação de salinas em zonas costeiras e interiores, a atividade continua a enfrentar desafios significativos.
Um dos maiores obstáculos reside no continuar da degradação das áreas e, sobretudo, na perda do conhecimento onde o custo de reabilitação das áreas é elevado, não apenas em termos financeiros, mas também no que diz respeito à recuperação das práticas ancestrais de trabalho em zonas húmidas, essenciais para a sustentabilidade do setor.
No entanto, é possível tornar a história outrora economicamente viável nos dias de hoje… Dignificando toda a sua representatividade na contribuição da fundação e desenvolvimento do concelho e região centro.
Por Nuno Ricardo Marques, texto e foto