Para João Paulo II não podia existir casa europeia sem as nações e culturas da Europa central e oriental. A sua perspectiva paneuropeia, a sua Europa «do Atlântico aos Urais», devia ser encarada como uma garantia contra todas as tentativas de construir uma Europa ocidental que excluísse as nações eslavas.
O PENSAMENTO DO PAPA ESLAVO – JOÃO PAULO II
“Certamente sou um papa um pouco fora do normal para a história do Vaticano. Não foi por acaso que a Providência Divina enviou ao Vaticano um papa eslavo” (Turij Karlov, Falando com il Papa, 1998).
As profundas transformações ocorridas na Europa no final do segundo milénio e no início do terceiro têm em João Paulo II um dos principais protagonistas e revelam os desígnios de Deus relativos à sua eleição.
No começo do pontificado de João Paulo II, a Europa, pelo Tratado de IALTA, continuava dividida em dois blocos por motivos ideológicos e geopolíticos.
Começava a surgir, à época, o Sindicado Solidariedade, que ameaçava provocar instabilidade não só no interior da Polónia mas também em outros países do Leste Europeu.
Karol Woytyla apoiou e estimulou a chamada “Ostpolitik”, conduzida por seu Secretário de Estado, o Cardeal Agostinho Casaroli, e continuada pelo seu sucessor, o Cardeal Angelo Sodano.
O processo culminou, no período do Presidente Gorbachev, em marco de 1990, com o restabelecimento das relações oficiais entre o Vaticano e a ex-União Soviética.
João Paulo II é ardoroso defensor da “Grande Europa”, que se estende do Atlântico aos Urais.
A “Grande Europa”, segundo ele, deve respirar com os dois pulmões, alimentar-se com a riqueza das duas tradições: a cristã-ocidental e a eslavo-ortodoxa.
– João paulo ii
A riqueza da Europa está no intercâmbio dos valores religiosos, culturais e civis entre o Ocidente e o Oriente, por isso, o Papa declarou padroeiros da Europa juntamente com São Bento, representante da tradição latina, os santos Cirilo e Metódio, apóstolos da Rússia, representantes da tradição oriental.
A queda do Muro de Berlim representou a derrocada do socialismo real e o término da divisão da Europa entre o Ocidente e o Bloco Oriental, que alimentou por vários anos a Guerra Fria entre as duas potências: Estados Unidos da América e URSS.
O fim do Muro foi a oportunidade histórica para a construção da casa comum europeia.
Sobre o acontecimento, vale a pena recordar a afirmação de João Paulo II: “De agora em diante, os ocidentais são perseguidos por um dilema existencial: reconhecer plenamente a realidade da ‘Grande Europa’ e começar a construir um mundo alicerçado na solidariedade, na cooperação e no diálogo, ou, então, enfrentar novas linhas divisórias e outras perigosas dilacerações”. (Turij Karlov, Parlando com il Papa, 1998).
Moscovo – a terceira Roma
À luz dessas reflexões, pode-se imaginar o quanto o Papa acalentou e acalenta no seu coração o desejo de visitar Moscovo, a “Terceira Roma”, atendendo a convite que lhe fizera o então presidente da ex-União Soviética, Mikail Gorbachev.
Da mesma forma que defensor da “Grande Europa”, pode-se dizer que Karol Woytyla é, igualmente, promotor da ideia de uma “Grande América”. Ao convocar o Sínodo Especial dos Bispos para o Continente Americano em novembro de 1997, João Paulo II quis, além de impulsionar a Nova Evangelização, fortalecer a ideia de uma América única e escolheu, por isso, em decisão pessoal, usar a expressão “Sínodo da América” – no singular – e não “Sínodo das Américas” ou da “América Latina e do Norte”, como muitos bispos haviam sugerido.
“Essa escolha queria significar não só a unidade, nos aspectos já existentes, mas também aquele vínculo mais estreito ao qual os povos do continente aspiram e que a Igreja deseja favorecer no âmbito da própria missão dirigida a promover a comunhão no Senhor” (EA nº5).
Acredita o Papa que a América Latina, profundamente religiosa – hoje são mais de 30 milhões de latino-americanos vivendo nos Estados Unidos – pode e deve infundir um suplemento de alma, de espiritualidade ao povo da América do Norte, marcada por uma mentalidade técnico-científica, materialista e individualista.
Os povos do norte, mais desenvolvidos e ricos, devem, por sua vez, colaborar com os irmãos do sul e, juntos, construírem uma casa comum americana, onde reine, para todos, a solidariedade e não as injustiças sociais.
É nessa perspectiva que se devem levar adiante as negociações com vistas à integração regional e continental da América, chamada, a exemplo da Europa, a tornar-se a “Grande América”, no respeito à riqueza de sua diversidade cultural e à autonomia de seus povos.
Não há dúvida de que a eleição do primeiro papa eslavo na história da Igreja não tenha sido mero acaso ou singular coincidência, mas sim um desígnio especial da Providência Divina para a Igreja e para a humanidade.
Por Dom Raymundo Damasceno Assis, Bispo Auxiliar de Brasília
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