A Liberdade das Andorinhas em dia da República – Era menino e foi das primeiras estórias que os meus pais me contaram – um dia tinha nascido um menino em terras de Belém. Para preparar o nascimento a sua mãe fugiu num burro por temer complicações com o poder. O burro era o veículo mais rápido da altura e, conduzido pelo marceneiro seu pai, garantia a chegada a lugar seguro. No caminho era preciso que as pegadas do animal fossem apagadas para a chegada em liberdade a local seguro.
As andorinhas encarregavam-se disso: em silêncio e rapidamente voavam sobre os sinais na terra e apagavam-nos. O burro chegou ao destino e o menino nasceu para a vida, em segurança escondida, debaixo do céu azul.
Ainda hoje gosto das andorinhas. Voam, em silêncio, e desenham no céu elipses como obras de arte, com a perícia dos artistas criadores de novos caminhos e com a liberdade de quem sabe voar, para conquistar as linhas do horizonte e perceber a vida que nasce todos os dias. Quem não gosta das andorinhas?
A liberdade como dom da vida
Somos nós, os vivos, que podemos experimentar a liberdade e sofrer a falta dela. Partimos com a vantagem de a vida nos ser oferecida – um activo e uma vantagem que nos atira para o caminho da aprendizagem que de acordo com o tempo da viagem nos faz crescer e desenvolver e assim dar oportunidades para que a mesma vida se multiplique e cresça. Precisamos pois de viver na liberdade da criação e na percepção de que não estamos sozinhos nela mas entrelaçados com quem partilha connosco o caminhos das andorinhas. E precisamos que elas continuem a voar para que o nosso destino seja construído em segurança, protegidos das surpresas e ameaças do que à partida é indeterminado. Assim construímos o nosso destino.
A protecção do marceneiro
Na mesma estória também havia um marceneiro que acompanhava a mãe e era pai e sabia indicar ao burro o caminho a percorrer. Porque não nascemos sozinhos, vivemos a liberdade dos dias com o ensinamentos dos nossos marceneiros que habitados num horizonte mais largo escolhem e ajudam a decidir o itinerário mais conveniente tendo em conta a meta pretendida. Sim, vivemos e pretendemos crescer, porque protegidos pelas andorinhas – a força que nos é dada por vivermos nos impela a caminhar numa história sem fim.
Criados e dotados com a força da liberdade caminhamos e decidimos o nosso caminho. E deveria ser assim, sempre assim. Mas quando contamos esta estória aos nossos filhos e netos já sabemos que não será assim! Recomeçamos a viagem do burro, procuramos lugar seguro para os nossos, pedimos a protecção das andorinhas e vivemos as circunstâncias da vida onde se tornam visíveis as dificuldades e temores da vida em comum que tudo regula e condiciona.
O sentido da pertença
No desafio da vida individual percebemos que ela faz sentido quando vivida com os outros partilhando o espaço comum e experimentando opções que acabam por ajudar a nossa definição: a nossa língua, a nossa culinária, a nossa profissão, os nossos gostos, as nossas bandeiras. Com tudo isto somos o que somos mas também pertencemos àquilo a que aderimos por vontade própria. Esta entrada no jogo da vida dá-nos o gozo de cantar as nossas vitórias e chorar as nossas derrotas, em conjunto, por ser assim que faz sentido experimentá-las.
Sentimos isso nos fogo das festas, nos golos gritados, nos abraços da vitória e nas lágrimas da despedida. Somos o que somos, mas também somos aquilo a que pertencemos: a família, os amigos, a terra, a empresa; e percebemos que é assim que vale a pena viver, porque aqui encontramos o sentido da vida e para onde caminhamos.
A liberdade condicionada
Porque somos muitos a andar de burro e as andorinhas nem sempre acodem a todos, percebemos que a pertença à luz do sol precisa de indicações para que ninguém fique privado de caminhar. Entendemos assim que a nossa liberdade de caminhar se encontra com a liberdade do outro em fazer o mesmo caminho. Percebemos assim que a liberdade de voar e de viver termina onde começa a liberdade do outro que partilha o tempo e espaço que também lhe é dado. Um jogo de liberdades diferentes, caminho de construção, para que possamos aderir e pertencer à força colectiva que nos define.
A lei legítima
As andorinhas não estudaram direito. Mas a vida colectiva dos marceneiros antigos deixou expressas as indicações necessárias para que a vida comum seja possível – as pegadas do burro foram substituídas por normas comuns aceites por (quase) todos, com utilidade provada no passar dos dias. Por isso vivemos e decidimos as normas da pertença como quem talha a madeira, indo ao pormenor de regular a vida geral. Assim se contruiram gerações, civilizações, e assim percorremos o nosso caminho.
As ameaças no caminho
Obrigado por ter chegado aqui: merece uma prenda que pode ouvir a seguir.
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Por Arnaldo Meireles