Que esgotamos o direito à indignação num golo falhado.
Que no jogo projetamos as derrotas que a vida nos dá.
Que esquecemos a luta pelos nossos direitos constitucionais porque a bola é tudo.
Que protestamos contra as moscambilhas, nos revoltamos com a inépcia de quem governa e tudo se transforma numa raiva que explode quando o avançado falha.
Que ignoramos o amor, a solidariedade, a paixão frente ao televisor e ao petisco. Assim nos tornamos na manada acrítica que aceita tudo, que se submete a tudo, e que se apazigua na violência e no palavrão.
Que a bola é a magia que faz esquecer a miséria, o desemprego, a pandemia. Um verdadeiro milagre que protege os poderosos. Que espanca e assassina mulheres.
Que não foi por acaso que Salazar elegeu o futebol como um dos ícones lúdicos do Estado Novo.
Neste vídeo estamos nós. A nossa ignorância, a nossa alucinação, a nossa cobardia perante os grandes desafios que a vida nos coloca e desprezamos.
Aqui, está um País demitido. Aqui está o estado a que chegámos.
Aqui está o epitáfio que Hemingway celebrizou, ‘Se ouvires os sinos a dobrar, não perguntes por quem dobram. Eles dobram por ti’