Por dentro da caverna; ou melhor: a “Alegoria da Caverna”, do velho Platão, descrita em A República. Num diálogo, Sócrates (o inteligente da Grécia e não aquele que nos saiu na rifa) fala com Glauco, tenta explicar-lhe de ser humano conhecer a verdade, sendo um direito extensível a quem governa, mais não seja para não legislar sobre mentiras.
Sócrates pede a Glauco que imagine uma caverna onde estão pessoas amarradas, colocadas aí logo na infância, avistando sombras que são projectadas na parede à sua frente, graças a uma fogueira acesa na parede de trás. Ali desfilam sombras – pessoas, objectos – ouvem-se sons. Estas sombras são a única noção que aquelas pessoas têm do mundo. A certa altura, um dos prisioneiros solta-se, descobre que o que avistam são projectadas pela fogueira.
Acaba por encontrar uma saída, enfrenta o mundo. O Sol magoa-lhe os olhos, mas pouco depois habitua-se à claridade, repara que existem flores. Conclui que as cópias que via projectadas na parede da caverna são amostras imperfeitas daquilo que na realidade existe. apenas lhe restava fazer uma de duas coisas: voltar para a caverna e libertar os outros prisioneiros, ou entregar-se à liberdade conquistada. Libertar os outros podia determinar que eles o atacassem, pensando que era louco, ainda que fosse o mais justo, mas decide não o fazer, entrega-se à liberdade.
Por aqui, continuamos na caverna até à Páscoa e depois “veremos” (António Costa) que nos recolheu a uma caverna admirando sombras projectadas, neste caso pela televisão. São regras, ou sombras: recolhimento domiciliário, teletrabalho obrigatório, ensino à distância, quase tudo encerrado, limitações à circulação e quem não cumprir arrisca-se a multas pesadas, que a regra é para ficar em casa. Aos fins-de-semana se distraia a criançada com qualquer coisa. Por exemplo: vejam teatrinhos de silhuetas, que há séculos contam histórias com sombras projectadas num écran.
Chegou aquela altura em que apetece sair da caverna, ainda que a luz do Sol nos faça doer os olhos, mas pouco tempo depois estaremos habituados à luz, reparamos que existem flores. E quem teve a coragem de sair, à semelhança do prisioneiro de A República de Platão, cisma: todos deviam sair comigo, devia ir buscá-los, seria justo. Infelizmente não será a melhor ideia, já que os outros vão achar que o que saiu da caverna é louco. Então, o fugitivo resolve ter o seu pedaço de egoísmo e saboreia a sua liberdade, vê flores, árvores e animais, ao vivo e a cores, nada de sombras.
Para entreter os gaiatos ao fim-de-semana lembrem-se de qualquer coisa que não seja teatrinhos de silhuetas, ou de sombras, amostras imperfeitas para melhor nos amarrarem à caverna.
Leonor Fernandes, autora em Sociedade Justa, grupo privado no Facebook